A Arcádia, situada na Grécia, era conhecida por ter em seu território o monte
Erimanto, sobre o qual corre
a lenda de que foi o monte em que Hércules, um herói grego, capturou um animal que andava assolando
a região, chamado Javali do Erimanto, justamente por habitar este monte.
Mas, continuando, a Arcádia tinha o seu deus especial. A Arcádia, uma terra tão rústica, tinha um deus só
dela: Pã. Este era o guardião dos rebanhos da Arcádia e o seu multiplicador. Era também o protetor dos
pastores.
Pã não veio do olimpo, ele nasceu na própria Arcádia, e dum modo muito interessante. Certa vez, Hermes,
o mensageiro dos deuses (Ver "Os deuses Gregos do Olimpo", nesta seção)
, aterrissou por lá, bem nos campos sagrados de Cilene, e se apaixonou loucamente por uma formosa ninfa.
Apaixonou-se a tal ponto que se ofereceu como pastor a Driops, o pai da ninfa. É até engraçado, Hermes,
um deus do Olimpo, trabalhando como pastor de ovelhas...
Bom, mas Hermes não queria ser nem um pouco engraçado, e teve que servir como pastor nos rebanhos
de Driops para obter a mão de sua filha. Afinal casou-se - e o deus Pã foi o resultado dêsse casamento. Mas
Pã nasceu com pés de bode e chifrinhos na cabeça. Todos se horrorizaram com o fenômeno, menos Hermes.
Assim que o estranho menino nasceu, tratou de voar com ele para o Olimpo a fim de mostrá-lo aos seus
companheiros de divindade. Embrulhou o garoto numa pele de lebre e lá se foi.
Quando no Olimpo Hermes abriu a pele e exibiu o filhote, houve risadas e caçoadas - E deram-lhe o nome
de Pã. O deusinho de pés de bode foi crescendo na Arcádia e ficou moço. Mas muito feio, o pobre, com aqueles
pés e aqueles chifres. As ninfas viviam rindo dele, o que o fez jurar que nunca em seu coração amaria mulher
nenhuma. Mas certo dia Cupido travou com ele uma luta corpo-a-corpo e, apesar de ser apenas um menino,
venceu-o. As ninfas que assistiram à cena deram grandes gargalhadas. E o pobre Pã não teve saída senão
amar.
Começou a amar, e logo depois encontrou a ninfa Sirinx, que só queria saber da caça e tinha recusado a
mão de todas as divindades. Pã foi-se chegando e dizendo que queria ser seu espôso (Como os gregos
levavam esse negócio de casamento a sério!). Sirinx não disse nada, saiu correndo por ali afora - e Pã
atrás. Mas como era um deus e os deuses correm mais que as ninfas, acabou alcançando-a lá adiante.
E quando Pã a ia agarrando, Sirinx virou uma touceira de caniço...
E dessa touceira de caniço começou a levantar-se um canto muito suave. Pã comoveu-se e cortou sete
canudos de vários tamanhos; depois emendou-os com cêra - e foi assim que nasceu a célebre flauta de
Pã,
instrumento que nunca mais ele iria abandonar e ficaria sendo o seu distintivo.
Agora vem a pergunta: porque ele nunca mais abandonou a flauta? E a resposta: porque assim que ele a
usava, fluíam de todos os bosques ninfas e mais ninfas, para dançar em redor
dêle. Entre essas ninfas havia
uma de nome Pítis, que diante das músicas de Pã se mostrava mais enternecida que as outras. E vai então
e o deus feio sente de novo o fogo do amor a arder em seu coração. E tocando a flauta com mais sentimento
ainda, vai andando, vai andando, rumo a um lugar solitário onde havia um alto rochedo. Lá se senta bem no
ponto mais alto e continua a tocar. Atraída pela música, Pítis vem vindo, e para melhor ouvi-lo, se senta ao
seu lado. Pã, coitado, perde a cabeça e lhe faz uma declaração de amor. Mas a ninfa era a namorada de
Bóreas, o terrível vento norte, o qual, enciumadíssimo, toma-se de grande fúria e sopra uma rajada de vento
para cima deles.
E tão forte foi essa rajada, que a pobre pítis perdeu o equilíbrio e caiu do rochedo abaixo, despedaçando-se
nas pedras. Os deuses lá do Olimpo, que tudo viam, tiveram pena da coitadinha e transformaram os seus
pedaços em pinheiros - um pinheiro que cresce entre pedras. Desde esse dia Pã tomou o pinheiro como
sua árvore e passou a andar com uma coroa de folhas de pinheiro enganchada nos chifres.
Veja a sina do pobre Pã. Seu destino era nunca poder unir-se à criatura amada, como mais tarde no caso
da ninfa Eco, filha do Ar e da Terra. Cada vez que Pã tocava, essa ninfa repetia as últimas notas notas lá
longe. Pã voava para lá e tocava de novo - e Eco respondia de novo as últimas notas, sempre ao longe, como
se estivesse gozando da cara dele.
E conta a lenda ainda que, muitos séculos depois, no reinado do imperador romano Tibério, o capitão de um
navio ancorado no mediterrâneo ouvirá uma voz misteriosa que clamará: "O grande deus Pã morreu!" E
desde aí ninguém mais ouvirá falar nele.
Fonte: Os doze trabalhos de Hércules - 1º tomo, Monteiro Lobato
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